"Duplo padrão". Cereais para bebés vendidos pela Nestlé em África estão cheios de açúcar

Uma investigação da Public Eye revela que a Nestlé adiciona açúcar aos cereais para bebés Cerelac distribuídos em África, mas não nas embalagens suíças. A ONG denuncia um "duplo padrão".

Rachel Mestre Mesquita - RTP /
Na África do Sul gerações de mães confiaram na Nestlé, durante décadas, para alimentar os seus bebés sem saber que estes podem prejudicar a saúde dos seus filhos. Foto: Godong - BSIP via AFP

Na província rural de Cabo Oriental, na África do Sul, muitas mães confiam nos produtos infantis da Nestlé como sendo a opção mais saudável para os seus bebés. Essa confiança transmitida entre gerações e reforçada por profissionais de saúde faz com que as famílias gastem quase todo o seu rendimento nestes produtos, sem saberem que podem estar a prejudicar a saúde dos seus filhos. 

A revelação é da organização não-governamental Public Eye que viajou até à África do Sul para investigar as consequências do que considera ser "um duplo padrão". A Nestlé contesta as análises da ONG e garante cumprir todas as normas nutricionais mundiais. 

A investigação da ONG revela que em regiões sem água potável ou eletricidade o uso de fórmulas infantis aumenta significativamente o risco de infeções e desnutrição. A populosa região de Cabo Oriental de sete milhões de habitantes, terra natal de Nelson Mandela, tem um alto nível de pobreza e uma alta taxa de desnutrição infantil.

Os bebés que são alimentados exclusivamente com leite em pó são os que mais chegam ao hospital, segundo o médico Andrew Miller, enquanto a amamentação, recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é rara.

"Para muitas das infeções nas crianças que não estão a crescer bem, o leite em pó é a causa", explica Andrew Miller.
"Sem adição de açúcares exclusivamente para europeus"

Além disso, os cereais Cerelac e Nestum contêm altos níveis de açúcar adicionados, ao contrário de versões vendidas na Suíça, França ou Alemanha com rótulos "sem adição de açúcar". De acordo com a ONG, isso contribui para que os bebés desenvolvam hábitos alimentares prejudiciais e aumentem o risco de obesidade, diabetes e outras doenças. 

Após a publicação do primeiro relatório da Public Eye, em março de 2025, que denunciava a adição de açúcar à maioria dos seus produtos na África do Sul e no Continente Africano, a Nestlé anunciou que tinha introduzido duas variantes "sem adição de açúcar" no mercado sul-africano. No entanto, a ONG não conseguiu encontrar estes artigos à venda na região. 
"Os pássaros da Nestlé ficaram gravados nas nossas mentes"

Especialistas criticam o marketing da Nestlé, que apresenta os seus produtos como solução para a desnutrição, apesar de não suprirem adequadamente as necessidades alimentares essenciais. A gigante alimentar suíça continua a apostar em estratégias de promoção agressiva que, desde os anos de 1970, influenciaram gerações de mães e profissionais de saúde. 

"A Nestlé criou uma geração de pessoas doentes que são viciadas nos seus produtos. E, graças ao marketing digital, agora estão a conseguir alcançar diretamente milhões de mães, conquistando a sua confiança com mensagens enganosas. É assustador", disse Nomajoni Ntombela, ex-enfermeira à Public Eye.
"Os pássaros da Nestlé ficaram gravados nas nossas mentes". 

A recente investigação da Public Eye conclui que o peso da desinformação, aliado à pobreza, cria um ciclo perigoso em comunidades onde a influência da Nestlé continua profundamente enraizada. Mães e famílias acreditam estar a oferecer "o melhor" mas expõem os seus bebés a riscos evitáveis.
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